A democracia está morta

Que tipo de louco, num mundo tão assolado por ditadores e seus poderes podres quanto o nosso, teria a irresponsabilidade de fazer uma crítica da democracia per se? A defesa da democracia contra as tiranias que a teriam usurpado sempre supôs que a solução para todos os nossos problemas já foi encontrada, mas ainda não é aplicada. Bem ao gosto da época, o problema não é de teoria (que não serve mais para nada), mas de prática, ou ainda, de hermenêutica jurídica, isto é, de interpretação e aplicação do que já é certo e justo, os “princípios democráticos” (como se não houvesse, no essencial, mais nenhum problema ou desafio propriamente teórico a ser enfrentado pela teoria da democracia).

No entanto, a democracia em que cremos é o símbolo ideológico, ou melhor, é o ídolo político com que tentamos preencher o vazio terrível da constatação reiterada de que o poder garante sua máxima eficácia quando funda sua legitimidade sobre absolutamente nada. Horror vacui: democracia é o nome que damos à ilusão transcendental com que preenchemos essa falta e que, em princípio, poderia nos aliviar da dúvida e, de quebra, nos garantir a razoabilidade metafísica da esperança em um mundo melhor. Só que a democracia, nossa deusa política, está morta! A democracia continua morta! E fomos nós, democratas, que a matamos!

Mas quem diria isso? Quem nos tomaria o último consolo? Quem puxaria de maneira tão insensata o tapete debaixo dos próprios pés, só para provar que planamos e que diante de nós só há oceano e que simplesmente não é possível saber se vamos progredir ou desabar? Quem teria o disparate de plantar uma bomba-relógio no coração do nosso tempo, naquilo que faz com que todos e cada um de nós, de extremo a extremo, não só aceitemos ser governados, mas também desejemos íntima e autonomamente nos governar a nós próprios de maneira “democrática”? Quem?

Diógenes com a lanterna, procurando pelo homem no mercado (1642), de Hans-Peter Klut Jacob JORDAENS (Óleo sobre tela; 233 x 349 cm. Coleção de Arte Municipal. Galeria dos Antigos Mestres. Dresden. Foto: Elke Estel.)